De: Terra
Cerca de 14% dos alimentos produzidos globalmente são perdidos antes de chegarem aos mercados varejistas, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU) para Alimentação e Agricultura. Além de aumentar a insegurança alimentar, esse problema impacta toda a cadeia produtiva, do produtor ao consumidor final.
Posicionado entre os maiores produtores mundiais de alimentos, o Brasil é um dos que mais desperdiça comida, segundo dados da ONU. Anualmente, cada brasileiro joga fora aproximadamente 60 quilos de alimentos em perfeito estado para consumo.
O gerente para o Brasil da startup sul-americana Frubana, Otávio Pimentel, afirma que o desperdício se torna um encarecimento dos produtos para o próprio consumidor final. “O desperdício contínuo gera incerteza para o produtor, que não sabe quanto e se vai vender”, afirma.
Sabendo disso, Pimentel pontua que já virou prática entre os pequenos produtores embutir essa porcentagem do desperdício no preço dos produtos. “Como eu sei que vou ter desperdícios, preciso combater no preço.”
Neste cenário, o consumidor final acaba se tornando um agente de desperdício considerando a quantidade de comida jogada fora pela população. Ele, no entanto, não é o único, já que milhões de toneladas de alimentos são perdidas nas fases de produção, armazenamento, embalagem e transporte, afetando milhares de empreendedores.
Diante desse cenário, diversas empresas passaram a enxergar na pauta uma oportunidade de negócio.
Combate ao desperdício
Especialistas apontam que o investimento em um esquema logístico eficiente e moderno é a chave para transformar o mercado alimentício no Brasil e reduzir drasticamente o desperdício, tornando as rotas de entrega mais otimizadas, além de prever a demanda de alimentos a ser produzida. Isso evitaria que a produção seja maior do que o necessário.
Dentre estas companhias que usam a logística aplicada para evitar o desperdício está a Frubana, que tem como foco central conectar pequenos produtores a restaurantes. Ao fazer a ponte entre as duas partes, a empresa consegue passar para o produtor a exata quantia que o restaurante precisará. Prevendo a demanda, a companhia consegue garantir a compra e diminuir o desperdício em um número maior.
“Conseguimos atacar o desperdício porque damos a certeza da produção necessária e qual preço quero pagar. O preço já é melhor porque a pessoa sabe que vai vender o que produzir”, explica Otávio Pimentel, destacando que, com o uso da inteligência artificial (IA), a marca consegue otimizar rotas de transporte e prever a demanda.
Pimentel explica que, atualmente, os maiores desafios de sanar o desperdício estão na produção, armazenagem inadequada e na distribuição, considerando que muitos dos alimentos acabam se deteriorando graças a problemas no transporte, como longas rotas, por exemplo.
“Com o uso de tecnologia, aprimoramos a eficiência operacional na cadeia de abastecimento, reduzindo para apenas 0,8% de perda dos alimentos”, explica Pimentel. Segundo o executivo, a marca criou uma espécie de sistema de “leilão” com cerca de mil produtores, conseguindo fazer uma cotação do preço justo e adquirir outras informações que ajudem a tornar a demanda o mais previsível possível, diminuindo as perdas desde a produção.
A tecnologia ainda é usada também através da Internet das Coisas (tecnologia que tem como objetivo conectar itens usados no dia a dia, como eletrodomésticos, meios de transporte, tênis, roupas e até maçanetas, à rede mundial de computadores), que monitora as condições de armazenamento e deslocamento. A robótica é empregada para automatizar tarefas, desde a colheita até o empacotamento.
Pimentel destaca que outro “ganho” é a possibilidade de ajustar a demanda para diferentes estações, dosando a temperatura do local onde os produtos são armazenados e a quantia a ser produzida, por exemplo, sendo outro trunfo contra o desperdício.
Imperfeição se torna negócio
Algumas marcas vêm também ressignificando o consumo para evitar o descarte de alimentos em bom estado, como a startup Fruta Imperfeita. A empresa afirma que muitas frutas ou legumes não são considerados padrões para serem comercializados nos mercados por serem muito grandes, pequenos ou não terem os formatos e cores tradicionais.
A marca visa não só disseminar o consumo consciente de alimentos como conectar pequenos produtores diretamente aos consumidores, intermediando a venda direta de produtos que seriam descartados se fossem para grandes mercados.
Outra marca com proposta similar é o Mercado Diferente, cujo objetivo é a venda de frutas e legumes orgânicos considerados “fora do padrão”, mas que estão em perfeitas condições de consumo.
A startup Gooxxy segue o mesmo caminho, com a proposta de conectar empresas ao varejo para evitar o desperdício. Para o diretor de tecnologia da empresa, Thiago Nascimento, essa é uma tendência de mercado dentre as empresas impulsionadas pela ascensão da agenda ESG (sigla em inglês para meio ambiente, social e governança), os avanços tecnológicos e a mudança geracional.
“O mundo se volta para não mais produzir em excesso, mas produzir para o que, de fato, é necessário”, explica, apontando que a preocupação social e sustentável das empresas não é mais apenas um diferencial competitivo, mas algo essencial para a sobrevivência das companhias no futuro.
Ele aponta que a perda acaba sendo parte do processo produtivo e que existe uma dificuldade em prever eventos, como um embargo no porto ou a própria pandemia. Mas, segundo ele, a tecnologia ajuda a tornar a escoação dos produtos mais eficiente, controlando com a inteligência artificial e outras tecnologias em tempo real a entrega dos itens, em qual estado o produto se encontra, além de rastrear o lote e a validade.
Impacto financeiro
Especialistas apontam que o desperdício é não só uma pauta sobre desigualdade, mas também financeira. “Além dos gastos para produzir e armazenar, há o custo para incinerar de forma ambiental os produtos que não foram vendidos”, explica Nascimento, destacando que o desperdício acaba se tornando um gasto para o próprio empreendedor.
Pimentel afirma que, como o desperdício já é esperado, especialmente em produtores perecíveis que precisam ser escoados rapidamente, o preço dos produtos que serão desperdiçados já é incorporado no preço final, que acaba sendo pago pelo consumidor.
Além disso, há o impacto financeiro. A pedido do Estadão, a Frubana simulou o quanto as toneladas de comida significariam em perdas de dinheiro. Considerando que o mercado de alimentos tem, atualmente, um desperdício de 30%, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o valor perdido seria de R$ 24 milhões por mês.
O cálculo foi feito com base na comparação do desperdício do mercado alimentício no Brasil versus o desperdício de alimentos que a marca ainda apresenta, de 0,9%, e o faturamento mensal da marca de aproximadamente R$ 80 milhões de reais por mês. Se o desperdício fosse similar ao do mercado, de 30%, o valor perdido seria R$ 24 milhões, o equivalente a R$ 280 milhões em um ano.