Estudo da Unicamp aplica métodos inéditos para caracterizar a espécie robusta, apontando seu potencial para o futuro da cafeicultura brasileira
Responsável por 60% do café produzido no mundo, a espécie arábica sempre foi associada aos grãos de maior qualidade. No entanto, os desafios impostos pelas mudanças climáticas e pelas secas prolongadas têm levado produtores e cientistas a voltar os olhos para uma variedade até então menos valorizada: o café da espécie Coffea canephora, que inclui as variedades robusta e conilon. Mais resistente a altas temperaturas, pragas e doenças, o canéfora vem mostrando não apenas vigor agrícola, mas também um potencial sensorial que começa a redesenhar o mapa do café especial no Brasil.
Um estudo de doutorado desenvolvido na Faculdade de Engenharia de Alimentos da Unicamp, por Michel Baqueta, trouxe novas ferramentas para entender e valorizar essa espécie. Aplicando métodos de espectroscopia, espectrometria e quimiometria — uma área que combina estatística e inteligência artificial — o pesquisador analisou mais de 650 amostras de café canéfora de diferentes regiões produtoras do país, incluindo áreas indígenas da Amazônia. O trabalho criou um banco de dados inédito com informações químicas sobre os compostos orgânicos e inorgânicos dos grãos, permitindo traçar uma verdadeira “impressão digital” de cada amostra.
A pesquisa, orientada pela professora Juliana Pallone e vencedora do Prêmio Capes 2024 na área de Ciência de Alimentos, contou com parcerias nacionais e internacionais, incluindo a Embrapa Rondônia, universidades brasileiras e instituições da Itália e da França. Entre seus resultados, está a identificação precisa da origem dos cafés, a detecção de adulterações nos grãos e a criação de uma metodologia sustentável e de alta precisão para caracterização da espécie.
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Os resultados também revelaram particularidades surpreendentes. Amostras de robusta produzidas em terras indígenas de Rondônia apresentaram cerca de 20% mais cálcio do que as de produtores convencionais, o que pode influenciar o sabor final. Além disso, os canéforas apresentaram teores naturalmente mais altos de potássio e cálcio em relação ao arábica — minerais que ajudam a explicar suas notas mais encorpadas e amargas.
Para Baqueta, o estudo ajuda a desmontar o estigma de que o canéfora seria um “café de segunda”. “A má reputação não vem da planta em si, mas da falta de manejo adequado. Com boas práticas e fermentação controlada, o canéfora pode atingir notas elevadas e sabores complexos”, afirma.
Mais do que valorizar uma espécie negligenciada, o trabalho abre novas perspectivas para a sustentabilidade da cafeicultura brasileira. Com o avanço do aquecimento global, entender a composição e o comportamento das diferentes variedades torna-se essencial para garantir o futuro do café — um fruto que, como mostram as pesquisas, ainda guarda muitos segredos em sua diversidade genética.




