sexta-feira, 28/11/2025
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Mudanças climáticas colocam em risco mamíferos das montanhas brasileiras

Pesquisas mostram perda acelerada de áreas adequadas para espécies únicas, com retrações que podem chegar a 36% até 2070

 

 

As montanhas brasileiras, conhecidas por abrigar ecossistemas complexos e espécies altamente especializadas, estão entre as regiões mais vulneráveis ao avanço das mudanças climáticas. Um estudo publicado na revista Mammalian Biology revela que as zonas frias e úmidas desses ambientes tendem a diminuir nas próximas décadas, comprometendo espécies de mamíferos que dependem dessas condições para sobreviver. A pesquisa foi conduzida pela bióloga Gabriela Mendonça, sob orientação dos professores Ana Carolina Loss e Yuri Leite, no Programa de Pós-Graduação em Ciências Biológicas da Ufes.

Com base em simulações que revisitam o clima desde o Último Glacial Máximo, há cerca de 21 mil anos, e projetam cenários até 2070, os pesquisadores avaliaram como duas espécies de camundongos neotropicais do gênero Juliomys devem responder ao aquecimento global. Os resultados indicam que Juliomys pictipes, que ocorre do nível do mar até 2 mil metros de altitude, tende a perder menos áreas adequadas do que Juliomys ossitenuis, espécie restrita a altitudes acima de 800 metros e, portanto, mais exposta às mudanças na temperatura e precipitação. Para os pesquisadores, essa diferença reforça como pequenas variações ecológicas definem níveis distintos de vulnerabilidade entre espécies semelhantes.

A pesquisa faz parte de um esforço mais amplo liderado por Mendonça em seu doutorado, dedicado a caracterizar a diversidade de mamíferos das montanhas brasileiras e entender o quanto esses ambientes estão protegidos. O levantamento identificou 116 espécies de mamíferos não voadores nessas regiões, sendo 11 exclusivas das montanhas e oito consideradas típicas desses ambientes. Cerca de um terço está em alguma categoria de ameaça, e mais da metade das espécies exclusivas corre risco de extinção ou sequer possui dados suficientes para avaliação. O contraste entre biomas evidencia um desafio adicional: enquanto a Mata Atlântica concentra mais informações e maior riqueza de espécies, regiões montanhosas do Cerrado e da Amazônia apresentam lacunas significativas de conhecimento, dificultando diagnósticos completos.

 

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Utilizando um banco de dados global sobre montanhas, Mendonça avaliou fatores ambientais como altitude, variação do relevo, temperatura e volume de chuvas, identificando-os como determinantes para a diversidade de mamíferos. Já impactos de origem humana, como agricultura e alterações bruscas no clima ao longo do ano, mostram efeito negativo direto sobre a biodiversidade. Apesar de ainda apresentarem ampla cobertura florestal, apenas 9% das áreas de montanha mais ricas do país estão dentro de unidades de conservação, e somente 30% se sobrepõem a regiões consideradas prioritárias para ações de preservação.

As projeções para 2050 e 2070 apontam uma tendência preocupante: 84 das 116 espécies estudadas devem perder parte significativa das áreas climaticamente adequadas para sobreviver. Nos cenários mais extremos, essa retração pode chegar a 36% até 2070, especialmente em áreas de Mata Atlântica, que concentram grande número de mamíferos de montanha. Pequenos ganhos aparecem, mas restritos a regiões periféricas desses ambientes. Para os pesquisadores, as montanhas mais diversas são justamente as mais vulneráveis ao aquecimento global.

A relevância desses ecossistemas ultrapassa a biodiversidade. As montanhas concentram entre um terço das espécies terrestres do planeta e metade dos principais hotspots de biodiversidade mundial, além de fornecerem água potável e outros recursos essenciais para milhões de pessoas. No Brasil, atravessam diversos biomas e abrigam espécies singulares, mas já sofrem impactos do desmatamento, da expansão agrícola e das mudanças no uso da terra. Diante desse cenário, compreender como o clima altera a dinâmica desses ambientes é fundamental para proteger tanto as espécies quanto os recursos que esses ecossistemas oferecem.

Para Leite e Loss, a urgência é clara: sem estratégias de conservação direcionadas — que considerem a vulnerabilidade diferenciada entre espécies, os efeitos combinados das pressões humanas e climáticas e a necessidade de ampliar áreas protegidas — parte significativa da fauna de montanha pode não resistir às transformações previstas para as próximas décadas.

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