De: Globo Rural
Um hambúrguer feito da fibra do caju acompanhado por uma água de coco de caixinha com o mesmo gosto daquela que sai da fruta. Esses são exemplos de alimentos que estão chegando ao mercado brasileiro a partir do trabalho desenvolvido por startups — também chamadas de foodtechs — em parceria com universidades e com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Das quase duas mil startups que atuam no agronegócio, 277 se dedicam a criar alimentos inovadores e a atender a novas tendências de consumo, indica o Radar Agtech 2023, produzido pela Embrapa, pelo fundo SP Ventures e pela consultoria Homo Ludens.
Essas empresas buscam desenvolver alimentos com melhores índices nutricionais, a utilização de ingredientes substitutos e novas possibilidades de uso para ingredientes já existentes.
Segundo André Dutra, chefe-adjunto de transferência de tecnologia da Embrapa Agroindústria de Alimentos, muitas das startups trabalham em inovações realmente disruptivas, produtos que não existem no mercado. “Desenvolver essas tecnologias é arriscado para grandes empresas, mas, para startups, traz grandes oportunidades”, diz.
Os novos produtos, diz ele, atendem à demanda por alimentos sustentáveis, saudáveis e mais nutritivos.
O primeiro projeto da Embrapa com startups foi com a Amazonika Mundi, que desenvolveu produtos como hambúrgueres e bolinhos feitos a partir da fibra do caju.
Com a iniciativa, a fibra que era descartada virou alimento. O volume que vai para o lixo todos os anos é gigantesco: no Ceará, de onde sai boa parte da matéria-prima da Amazonika Mundi, foram jogadas fora 900 mil toneladas de fibra de caju em 2022. “Utiliza-se apenas 10% do caju”, lamenta Thiago Rosolem, CEO da startup.
Usando tecnologia, a startup transformou a fibra em recheio de seus produtos, vendidos hoje em dois mil locais espalhados pelo país. A empresa também combina a fibra a ingredientes da floresta amazônica, extraídos por comunidades indígenas e ribeirinhas, por intermédio da ONG Origens Brasil.
“Fomos à Europa e acharam fantástico, porque não tem ninguém conseguindo fazer o que nós fazemos”, conta Rosolem.
A Amazonika Mundi fará parte de uma holding, a Golden Dream, que tem outros produtos em desenvolvimento: um isolado de ervilha, aplicações para a aquafaba (água viscosa na qual foram cozidas sementes de leguminosa) de grão de bico e outros usos da fibra do caju.
Outro exemplo de foodtech é a Vero, que nasceu para saciar a sede do consumidor brasileiro por uma água de coco de caixinha fresca. A startup, que está presente em 1.200 estabelecimentos no Rio de Janeiro e em São Paulo, abriu em novembro uma operação em Portugal. A empresa está de olho na demanda dos europeus por alimentos que sejam saudáveis, sustentáveis e gostosos ao mesmo tempo.
Protocolos de produção
Luiz Eduardo de Carvalho, sócio-fundador da Vero Coco, diz que o consumidor brasileiro amadureceu bastante, mas o europeu, de forma geral, ainda valoriza mais a rastreabilidade, os cuidados com a matéria-prima e com os fornecedores. “Sabemos quando, como e onde foi produzido cada lote nosso”, diz.
A água de coco da Vero é fabricada dentro da fazenda da família de Carvalho, em São Pedro da Aldeia, Região dos Lagos, no Rio de Janeiro. O pai dele começou na atividade 22 anos atrás, mas, até a criação da Vero, vendia apenas o coco in natura para mercados e quiosques na praia. “Para levar o coco in natura até o Rio, era horrível, uma caixa enorme”, relembra.
Foi essa dificuldade que levou Carvalho a buscar uma forma de envasar a água de coco sem que ela perdesse o sabor. Para isso, a água de coco da Vero é envasada a frio. A fábrica fica dentro da fazenda onde a família tem sete mil coqueiros. Segundo o empresário, a proximidade com a matéria-prima garante que ela seja envasada o mais fresca possível.
A Vero também adquire matéria-prima de agricultores parceiros, que seguem à risca os protocolos de produção e colhem apenas com permissão da empresa. O objetivo é extrair a água de coco no momento exato. “Como a gente não usa adoçante, precisa estar docinha”, explica Carvalho.
O principal desafio da Vero é a cadeia logística a frio — que ainda é cara e deficiente, diz o empresário. O resfriamento do produto é o que permite um prazo de validade de seis meses sem perder sabor e nutrientes. “Estamos investindo em parcerias sólidas com transportadoras especializadas para fazer o interestadual e a última milha”, conta Carvalho.
Depois do envase, a startup consegue destinar a casca do coco para o lugar certo: ela é triturada, misturada ao esterco do gado da propriedade e volta ao coqueiral como adubo orgânico.