Identificação de “portos seguros” no genoma permite inserção precisa de genes e acelera criação de cultivares mais resilientes ao clima
Um novo estudo liderado por pesquisadores do Genomics for Climate Change Research Center (GCCRC) aponta um caminho promissor para transformar a engenharia genética de plantas, especialmente no milho. A pesquisa revisa tecnologias capazes de tornar a inserção de genes no genoma muito mais precisa — o que pode reduzir em até 90% o tempo, o custo e o esforço necessários para desenvolver linhagens transgênicas de qualidade comercial.
Hoje, criar uma linhagem transgênica de alto desempenho pode levar até 15 anos e custar mais de US$ 50 milhões, em grande parte devido à imprevisibilidade do processo tradicional de inserção genética. O estudo, publicado na revista Frontiers in Plant Science, foi realizado em parceria com o Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG) e a Embrapa Agricultura Digital.
Sediado na Unicamp e apoiado pela Fapesp e pela Embrapa, o GCCRC atua no desenvolvimento de soluções genéticas e biotecnológicas para aumentar a tolerância de culturas agrícolas a estresses como seca, calor e pragas, combinando genômica, bioinformática, microbiologia e melhoramento vegetal.
Uma das frentes prioritárias do centro é o desenvolvimento de milho tolerante à seca. No entanto, a tecnologia mais utilizada atualmente para introduzir genes ainda depende de integração aleatória no genoma da planta. Isso significa que o transgene pode se inserir em regiões instáveis ou inadequadas, afetando sua expressão e herança ao longo das gerações.
Além disso, as normas de biossegurança exigem que o transgene esteja presente em cópia única, íntegra e em uma região estável do genoma, algo difícil de garantir quando a inserção ocorre ao acaso.
“A integração randômica gera mais de 90% dos eventos transgênicos com inserções indesejadas ou atividade instável, muitas vezes com múltiplas cópias ou genes truncados”, explica Marco Basso, biotecnologista do GCCRC e autor do estudo. Dependendo do local de inserção, o gene pode ser superexpresso, pouco expresso ou até silenciado pelos próprios mecanismos da planta.
“Portos seguros” no genoma
Para superar essas limitações, o estudo destaca abordagens de inserção sítio-específica, baseadas no conceito de “portos seguros genômicos” (genomic safe harbors). Essas regiões do genoma são consideradas estáveis e previsíveis, permitindo que genes inseridos ali expressem seu potencial máximo e sejam herdados de forma consistente.
“Ao inserir o transgene em regiões intergênicas seguras, garantimos que ele seja expresso corretamente e transmitido às próximas gerações”, afirma Juliana Yassitepe, pesquisadora da Embrapa Agricultura Digital e coautora do trabalho.
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Na prática, isso significa gerar menos plantas para seleção, reduzir drasticamente o número de testes e encurtar o caminho até uma linhagem de elite. Segundo os pesquisadores, enquanto o método tradicional pode levar cerca de 10 anos, a inserção sítio-específica permitiria desenvolver uma linhagem equivalente em aproximadamente 10% desse tempo, custo e esforço.
Do laboratório à aplicação no campo
A revisão destaca iniciativas pioneiras da Corteva Agriscience, que já identificou quatro “portos seguros” no genoma do milho. Inspirada nesses avanços, a equipe do GCCRC adaptou para o milho um software originalmente desenvolvido para leveduras, identificando novos candidatos a regiões seguras por meio de análises de bioinformática.
Agora, o grupo inicia a fase experimental para validar esses alvos. Uma das primeiras aplicações práticas será a inserção precisa de genes associados à tolerância à seca, um dos maiores riscos à produtividade agrícola em um cenário de mudanças climáticas.
“Ao entender onde e como inserir genes de forma precisa, damos um passo decisivo para desenvolver linhagens mais eficientes, previsíveis e adaptadas ao clima”, concluem os autores.




