Pesquisa pioneira liderada pela Esalq-USP mapeia vulnerabilidade de espécies de produção animal em diferentes regiões do mundo e aponta caminhos
Um estudo liderado por pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP) projetou como diferentes espécies de animais de produção devem reagir fisiologicamente aos impactos das mudanças climáticas até o fim do século. A pesquisa, publicada na Environmental Impact Assessment Review, é considerada uma das mais abrangentes do mundo sobre o tema e alerta para o risco de colapso produtivo em rebanhos caso não sejam implementadas medidas de adaptação.
O modelo desenvolvido pelos cientistas avalia o impacto do aumento de temperatura global — estimado em até 2 °C até 2050 — sobre a capacidade termorreguladora e produtiva de espécies como bovinos, ovinos, caprinos, suínos e aves. Os resultados mostram que, se nenhuma ação for tomada, eventos de estresse térmico severo poderão se tornar frequentes, afetando a saúde animal, a eficiência alimentar e a oferta de proteína em escala global.
“Nosso estudo fornece subsídios cruciais para orientar políticas de adaptação da produção animal, com foco em segurança alimentar e sustentabilidade ambiental”, afirma Iran José Oliveira da Silva, coordenador do Núcleo de Pesquisa em Ambiência (Nupea) da Esalq-USP.
Espécies mais vulneráveis e impactos regionais
De acordo com o estudo, os pequenos ruminantes (como ovelhas e cabras) serão os mais impactados nos países do hemisfério Norte, com aumento médio de até 68% na taxa respiratória — um sinal claro de estresse térmico. Já no hemisfério Sul, os rebanhos leiteiros aparecem como os mais vulneráveis entre os ruminantes, enquanto caprinos e bovinos de corte demonstram maior resiliência por apresentarem plasticidade fenotípica — a capacidade de adaptar características físicas às condições ambientais sem alterar o genótipo.
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Entre as espécies avícolas, galinhas poedeiras e codornas foram as mais suscetíveis, podendo registrar até 40 respirações adicionais por minuto até 2100. Para os pesquisadores, isso reforça a urgência de desenvolver linhagens mais resistentes e ambientes produtivos com controle térmico avançado.
Inovação em modelagem e genética
A equipe utilizou 12 bancos de dados internacionais com informações biológicas, produtivas e ambientais, coletadas no Brasil, Itália e Espanha. A partir desses dados, foram aplicadas técnicas de aprendizado de máquina (machine learning) e análise multivariada para projetar as respostas adaptativas dos animais em três cenários climáticos (2050, 2075 e 2100), com base nas projeções do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC).
O grupo analisou variáveis como temperatura corporal, frequência respiratória, composição sanguínea e hormônios relacionados ao estresse térmico. Essas informações permitiram traçar um perfil adaptativo detalhado por espécie e região, identificando biomarcadores fenotípicos associados à tolerância ao calor.
“Começamos definindo o que é um animal sustentável — aquele com baixa emissão líquida de carbono, eficiente na conversão alimentar e capaz de se adaptar independentemente do clima”, explica Robson Mateus Freitas Silveira, primeiro autor do artigo e pesquisador da Esalq-USP, vencedor do Prêmio de Excelência da Sociedade Brasileira de Zootecnia.
Pressão sobre a produção global de proteína
A pesquisa ganha relevância diante do cenário projetado pela ONU, segundo o qual a população mundial deve atingir 10 bilhões de pessoas até 2050, enquanto as mudanças climáticas ampliam os riscos para a segurança alimentar. A pecuária responde hoje por 31% das emissões globais de gases de efeito estufa, e os sistemas produtivos mais intensivos podem se tornar inviáveis em regiões com maior aquecimento.
O estudo reforça que o futuro da produção de proteína animal dependerá da integração entre genética, manejo ambiental e políticas públicas, com foco em mitigação de calor, seleção de raças adaptadas e conservação de recursos genéticos locais.
“A bovinocultura de leite e as aves já mostram sinais de vulnerabilidade imediata. Isso é um alerta para o setor e para os formuladores de políticas públicas. Precisamos agir agora para garantir a produção do futuro”, afirma Silva.




