De: Paulo Silveira*
O futuro nunca pareceu tão empolgante ou mais confuso. Somos confrontados com uma infinidade de mudanças importantes em termos de cultura, negócios e tecnologia: inteligência artificial, web 3.0, computação quântica, internet das coisas, milagres biomédicos e assim por diante
No entanto, se olharmos mais profundamente – se cortarmos todo o ruído – podemos ver outra coisa. Examinando mais de perto, quase todos esses desenvolvimentos vertiginosos que se desenrolam no mundo de hoje estão relacionados a outro fenômeno. O fenômeno é este: as fronteiras entre os setores tradicionais da nossa economia estão desparecendo.
Estamos acostumados a pensar a economia em termos de setores como construção, imobiliário, tecnologia da informação, saúde, para citar alguns. Sempre entendemos que esses setores são categorias distintas, e cada um opera tradicionalmente em sua própria esfera. Agora, a economia está mudando em um nível fundamental. À medida que as fronteiras entre os setores se abrem e desaparecem, novas estruturas organizativas vão se formando em seu lugar. Se isso parece uma abstração, considere que muitos setores já estão começando a se adaptar.
A transição para fora do modelo setorial é uma mudança tão fundamental, que pode ser difícil de envolver as nossas mentes.
O que isso significa? Em suma, para muitas empresas, tudo está mudando: seus clientes, concorrentes e modelos de negócios. Eles têm que se reinventar para operar em um ambiente totalmente diferente. À medida que as fronteiras entre os setores desaparecem, as empresas estão se organizando em novas configurações, mais dinâmicas, centradas não na forma como as coisas sempre foram feitas, mas nas necessidades dos clientes.
Essas novas formações são o que chamamos de ecossistemas: comunidades de negócios digitais e físicos interconectados que trabalham além das fronteiras tradicionais do setor para fornecer aos clientes tudo o que eles poderiam querer relacionado a uma necessidade específica ou conjunto de necessidades. As empresas formam ecossistemas colaborando umas com as outras – compartilhando ativos, informações e recursos, criando valor além do que seria possível para cada uma delas alcançar individualmente.
Essas empresas estão fazendo mais do que apenas encontrar novas maneiras de fatiar o bolo: trabalhando juntas e trabalhando além das fronteiras do setor, elas estão criando propostas de valor que realmente expandem o bolo e realizam mais coletivamente do que cada um pode individualmente. Como cada empresa que participa de um ecossistema contribui para esse processo coletivo de criação de valor, cada empresa também se beneficia do valor extra que é gerado.
O resultado é um novo tipo de formação empresarial dinâmica, criativa e poderosa que pode transformar a economia como conhecemos
Mas por que usamos a palavra ecossistema para descrever esse tipo de comunidade? Quando estamos falando do mundo natural, usamos a palavra ecossistema para significar uma comunidade de organismos biológicos que são interdependentes, ou que juntos formam uma teia de relações simbióticas que atendem às necessidades particulares de cada organismo. Cada organismo é dependente da teia que os conecta a todos.
Da mesma forma, as empresas se unem para criar teias de relacionamentos mutuamente benéficos centrados em atender às necessidades dos clientes. Mas é claro que, como a palavra ecossistema agora é amplamente conhecida, às vezes em uma perspectiva errada. Alguns líderes usam a palavra para uma relação simples e tradicional fornecedor-cliente e se enganam pensando que isso constitui num ecossistema.
Ecossistema é mais do que isso: nos referimos a conexões muito mais profundas entre empresas que formam alianças que visam coletivamente criar e compartilhar valores no melhor interesse dos clientes.
Trazendo essa nova forma de organização para nossa realidade brasileira, o ecossistema industrial agroalimentar é essencial para o Brasil e para a América Latina.
Ainda vemos muito na cadeia que chamamos de sistemas alimentares, uma certa setorização. Mas felizmente temos algumas iniciativas que têm articulado as integrações como o FoodTech Hub latam ‘que é um ecossistema focado em inovação e desenvolvimento de startups no Brasil e América Latina. Como um amálgama de conexão, o ecossistema tem sido bastante feliz em articular diversos setores na cadeia em uma única plataforma: indústria, academia, institutos de pesquisas, venture capital, empreendedores e o apoio catalizador do governo.
Mais e mais vemos projetos começando no campo e terminando na mesa do consumidor de forma conjunta e o consumidor como centro de tudo.
Essa é a única forma de superar o desafio que ecossistema industrial agroalimentar está testemunhando numa mudança em direção a um sistema alimentar sustentável, alimentado por tecnologias verdes e digitais, como biotecnologia, materiais avançados, manufatura avançada e robótica, e a Internet das Coisas (IoT), para apoiar a dupla transição.
Essa transição de um modelo agroindustrial – agricultura e processamento de alimentos- para o modelo de ecossistema agroindustrial com todos os elos da cadeia se interconectando- agricultura, processamento de alimentos, logística, varejo, food service, investidores consumidores envolto com as camadas de tecnologia, sustentabilidade é um modelo necessário para vencermos os desafios que nos apresenta: segurança alimentar, redução de desperdícios, alimentos mais saudáveis e acessíveis.
O Brasil tem tudo para sair de um modelo de commodities para uma modelo de agregação de valor na cadeia. Trabalhando de forma interconectada, o ecossistema agroindustrial brasileiro pode ser referência mundial em modelos sustentáveis.
*Paulo Silveira é engenheiro de alimentos formado pela Unicamp em 1982, com MBA pela Fundação Getúlio Vargas, 1987. Também participou de cursos internacionais como Marketing Strategy – Columbia University; Fusões e Aquisições – Wharton University; IMD – Estratégia de Negócios.
Foi CEO da Danisco Ingredients para a América Latina e desenvolveu o negócio de ingredientes na região. É membro do conselho de administração de diversas empresas e foi premiado com os cinco maiores executivos brasileiros pela mídia brasileira Gazeta Mercantil em 1999. É fundador do FOOD TECH HUB Latam, ecossistema de inovação em alimentos na América Latina, com foco em inovação aberta e investimento em FoodTechs.